N'UM VAL'PENA! - N'chuabo!
Hoje estou mais light. Não trago qualquer crítica social e do quotidiano. Ia ruminando um assunto para esta semana quando de repente deu-me um baque de saudade para com uma santa terra. Santa a terra e os seus simpáticos e solícitos habitantes: Quelimane. O chamado pequeno Brasil. Ainda hoje não sei bem por que lhe chamam “pequeno Brasil”. Há-de ser de certeza pela beleza das mulheres, pela propensão à diversão de arromba e, sobretudo, pelas espectaculares noites de Carnaval típico.
A riqueza cultural é espectacular. Eu gosto de Quelimane. Foi lá onde cresci e fiz amigos. E identifico-me com aquela cidade e gente.
Por isso estava em dívida. E como em qualquer caso de dívida o peso e remorso de consciência caem sobre nós. Vivi em Quelimane, para onde os meus pais foram transferidos nos longínquos anos 80, parte da minha infância e toda a juventude. Aliás, há quem nem acredite que não tenha nascido lá. Então como falar sobre uma terra, Quelimane, que me fez homem? Como falar de N´chuabos neste diminuto mas simpático espaço do N´um Val´Pena? Como falar da Escola Primária Vasco da Gama (como se chama hoje) e do simpático contínuo Sr. Moçambique, a quem subornávamos com mutxapaué (perguntem um n´tchuabo o que é mutxapaué) para tocar o sino um pouco mais tarde? Ainda assim, o velho Sr.
Moçambique, ainda a mastigar calmamente o mutxapaué objecto do suborno, traía-nos, tocava o sino e, de varreta à mão, nos mandava à sala de aulas, onde íamos encontrar a professora Argentina. Como era má?! Não vala pena! E do Ciclo! Que saudades. Dizem-me que hoje a escola dá pelo nome de Patrice Lumumba. Ali tínhamos que chegar o mais cedo possível para ter onde sentar e ainda assim esperar e rezar para que os musculosos arruaceiros irmãos angolanos não te tirassem a carteira. Onde estarão aqueles gajos durões angolanos? O Carlos Jossias, hoje na RTP, experimentou as manápulas daqueles tipos. Muitas vezes, porque era teimoso. E as aulas de português com o temível professor Jafar! Aquele indiano metia medo: não se ria nunca. Estava sempre sisudo e mal disposto. Mas dominava a gramática que era uma coisa incrível! Na altura contávamos todos os dias os sumários de cada disciplina porque à centésima lição tínhamos uma festança, muitas vezes impulsionadas pelo professor Frederico Costa, hoje exímio comunicador. Um abraço ao Costa.
Mas, definitivamente, a “25 de Setembro” foi a mais marcante. Desde a relação com os professores e funcionários, à entreajuda e ao orgulho de estar numa escola chamada “pré-universitária”. Desde os professores estrangeiros, cubanos, ingleses, russos, dinamarqueses, portugueses, à entrega voluntária dos Irmãos de fé da catedral nas aulas de Português e Biologia. Ah, já agora, o Irmão Reis, professor de Português, bonacheirão, redondinho e que se irritava facilmente, surpreendeu um dia desses o Carlos Crispim, na altura muito indisciplinado, hoje um funcionário bancário sénior e ( aparentemente ) sério, em cima de uma mesa a discursar. Na altura que o leigo entrou e porque estávamos todos distraídos e às gargalhadas, o Crispim estava mesmo a dizer que “o Irmão Reis tinha vindo de calções e camisa interior”. Estão a perceber como ficou o Irmão Reis? Vermelho que nem a popa de um tomate. Como castigo ficámos duas semanas sem aulas. Grande castigo! E os professores cubanos eram espectaculares.
Jogavam futebol aos sábados com o pessoal e não havia mesquinhice de aluno/professor, os gajos khenhavam muito e não raras vezes quase andávamos aos murros. Mário Lobo, um colega arruaceiro por tendência, fazia questão de estar na equipa contrária à dos cubanos. Só para ter o prazer de os khenhar.
Dia seguinte, uns mais lesionados que outros, não havia papo. Como me esquecer da bonita professora Rosa Maria, de Matemática, que quebrava os corações da malta. Era tão bonita e simpática que até gostávamos de Matemática. Vejam lá só! Ficávamos ali a suspirar e a imaginar coisas enquanto a professora dava aulas e nem dávamos pelo tempo. E até pedíamos aulas de “recuperação”. Com a professora Lucinda Trigo o cenário era o mesmo. Linda a professora. Sobretudo inteligente e comunicadora. As aulas de Educação Física eram autênticas maratonas de busca de saúde física. Silvestre Domingos era e é o ícone da cultura física em Quelimane. Malabarista nato. Julgava-se o James Naishmith da Zambézia. Com ele calcorreámos o país jogando básquete e fazendo delirar plateias com o nosso jogo-espectáculo.
As grandes noites de básquete e do Sabadão ali no Desportivo (dizem-me que hoje se chama Pavilhão do Benfica, recuso-me).
Das tardes dançantes na Casa de Cultura e do Carnaval é melhor nem falar.
Em Quelimane e com as suas simpáticas gentes ficou o meu coração, saudade e eterna amizade.
Ciao amigos!
Leonel Magaia
in, Jornal Notícias
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